Sempre vivi rodeada por comida.
Eu gosto de comer, de preparar, de sentir o aroma, o sabor... Gosto ainda mais de usar a comida para agradar àqueles que gosto e/ou amo - por isso adoro cozinhar para a família, para os amigos, e para o companheiro do coração. E me frustro quando alguém, para quem eu preparei algo, não come. Não gostar não é o problema. O problema é não comer. É como se me desse uma bofetada.
Mas, nem todos são assim. Alguns têm uma relação mais sossegada, outros mais desassossegada, com a comida e assim cada um vai levando.
No meu TCC do aprimoramento estou trabalhando a adesão ao tratamento nutricional com pacientes obesas de um modo indireto - utilizando a Terapia Comportamental, ou, de outro ponto de vista, uma abordagem terapêutica diferenciada, onde falamos sobre hábitos alimentares, consumo, comportamento alimentar, atividade física e tantas outras coisas.
Meu trabalho é com idosas. Todas elas têm mais de 60 anos. A integrante mais velha do grupo tem 78 anos. E comparece à todos os encontros. Sempre vai sozinha. E sempre participa. A maioria delas só estudou até a 4ª série do ensino fundamental (o antigo primário), algumas só sabem assinar o próprio nome. Falar sobre comportamento, emoção, sentimento e comida para essas moças é uma delícia, ao mesmo tempo que é bastante complicado.
Na reunião de hoje falamos sobre fazer as pazes com o corpo e com a comida - e da relação intrínseca que existe entre o que sentimos e o que comemos.
E, mesmo tendo sido o tema da semana passada, poucas delas compreenderam a relação intensa que existe entre essas duas razões: comer E sentir.
Quantas vezes já partimos atrás de um alimento qualquer por conta de uma emoção não percebida, não verbalizada, não aceita?
Independentemente de qual seja, em diversos momentos do dia, da semana, do mês ou da vida, recorremos ao chocolate, ao doce, ao pão, ao bolo... Qualquer coisa que esteja disponível, de frente pra gente, ou escondida na gaveta da cômoda, do guarda-roupas ou do criado mudo. Guardado lá justamente para estes momentos, e, mesmo que não surjam os momentos que nos levam a comer, comemos porque está lá.
Ansiedade, medo, dor, angústia, felicidade, tristeza, alegria, euforia, sono... Tédio...
Nada disso é FOME. Isso são sensações. Emoções. Algumas percebidas, outras não. Algumas nos levam a comer mais, a buscar mais comida - seja ela qual for. E, depois disso, pela bronca de já ter 'metido o pé na jaca', aí é que acabamos detonando e comemos tudo mesmo - só de raiva!
Perceber o que sentimos, como sentimos e como nos relacionamos com a comida vai muito além de controlar as sensações, a ansiedade e comer só o "recomendado".
Perceber o que sentimos é sentir e relacionar isso com as situações da vida - pregressa, atual e futura. É notar o quanto a família nos ajuda na formação dos hábitos e preferências alimentares. E, além da família, os amigos, os colegas de trabalho, o tempo que vivemos no transporte... Em tudo o que vivemos há influências na nossa psiquê. Do mesmo modo que a gente também deixa marcas nos outros - sejam quais forem.
Positivo e Negativo existe em TUDO na vida.
Há algum tempo percebo o quanto os outros deixam marcas em mim. E essas marcas se refletem nas situações do meu dia a dia. E se refletem nas pessoas com as quais convivo - a principal delas eu mesma.
Não é feio, ou ruim, assumir que está triste ou com raiva e por isso está comendo - ou deixando de comer. Ainda menos se a escolha ou o excesso se der por conta de estar ansiosa ou preocupada com alguma coisa. É preciso compreender isso.
E, para compreender, é preciso SENTIR. Reconhecer as emoções que estão dentro de nós, aceitá-las e e compreender que, muitas vezes, elas nos levam a escolhas que fazemos mesmo sem perceber e acreditamos que fazemos porque gostamos.
Ok, gostar de alguma coisa é normal. Comer essa coisa de modo compulsivo, apenas por comer, é que não é.
Ninguém vive chutando ou batendo a cabeça na parede a todo momento. Portanto, não é normal viver o tempo todo pensando em comer. O que quer que seja.
Sinta, pense, considere, avalie seus sentimentos, suas emoções, suas sensações.
Esse pode ser o primeiro passo para perceber que, talvez, a sua relação com a comida, seja ela qual for, precise de mudanças - para mais ou para menos.
E busque um profissional nutricionista que utilize esta abordagem, para que possa auxiliá-lo a trilhar esse caminho. Não é fácil olhar para dentro de si e ver amor demais, mas mal direcionado. Ou ver tristeza demais, sem motivo aparente. Ou ver incapacidades que talvez não existam. Tanto é possível... E o acompanhamento conjunto com um profissional psicólogo vai auxiliar ainda mais.
O caminho é longo e complexo, mas é possível de se trilhar.
Quanto às minhas idosas, hoje, após 3 meses, algumas têm começado a demonstrar sinais de mudança nos hábitos alimentares e, consequentemente, o peso corporal está reduzindo. Com isso, a sensação de bem estar aumentou, o cansaço para andar diminuiu, as escolhas alimentares têm sido melhores e as alterações de pressão arterial e de glicemia também têm apresentado melhora.
É um passo de cada vez.
Não se sobe uma escada de uma vez, não é mesmo?